Pais: pastores ou lobos de seus filhos

30 08-2012
Pais: pastores ou lobos de seus filhos

Fonte: Padre Faus

Na belíssima parábola do Bom Pastor, Cristo reúne mensagens cheias de riqueza espiritual. É claro que a parábola é, em primeiro lugar, um auto-retrato de Cristo – o bom pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (Jo 10, 11) – e, em segundo lugar, uma pauta para os pastores da Igreja.Mas as ricas virtualidades da palavra de Cristo atingem a todos, e, assim, a imagem do pastor que depois de conduzir todas as suas ovelhas para fora do aprisco, vai na frente delas, assinalando-lhes o caminho com seus passos, e as conduz à pastagem (cfr. Jo 10, 3 e 4) é especialmente ilustrativa para os que têm o dever de educar: pais, mestres, orientadores…

A imagem do bom pastor lembra-nos, acima de tudo, a necessidade de ir na frente, marcando o rumo com o nosso exemplo. Esse dever reveste-se de uma especial gravidade quando se trata dos pais. Assim o recordava São Josemaria Escrivá, numa homilia sobre a família: “Os pais educam fundamentalmente com a sua conduta. O que os filhos e as filhas procuram no pai e na mãe não são apenas uns conhecimentos mais amplos que os seus, ou uns conselhos mais ou menos acertados, mas algo de maior categoria; um testemunho do valor e do sentido da vida encarnado numa existência concreta, confirmado nas diversas circunstâncias e situações que se sucedem ao longo dos anos.

“Se tivesse que dar um conselho aos pais, dir-lhes-ia sobretudo o seguinte: que os vossos filhos vejam – não alimenteis ilusões, eles percebem tudo desde crianças e tudo julgam – que procurais viver de acordo com a vossa fé, que Deus não está apenas nos vossos lábios, que está nas vossas obras, que vos esforçais por ser sinceros e leais, que vos quereis e os quereis de verdade.

“Assim contribuireis da melhor forma possível para fazer deles cristãos verdadeiros, homens e mulheres íntegros, capazes de enfrentar com espírito aberto as situações que a vida lhes apresente, de servir aos seus concidadãos e de contribuir para a solução dos grandes problemas da humanidade, levando o testemunho de Cristo aonde quer que se encontrem mais tarde, na sociedade” i

Também o simbolismo do pastor sugere-nos uma porção de perguntas. Formulemos umas poucas:

– quando quero incutir nos meus filhos o dever de estudar e aproveitar o tempo, dou-lhes antes – e sempre – o exemplo pessoal de aproveitá-lo? (que não me vejam perder horas infinitas diante da televisão, em navegações inúteis na Internet, ou dormindo fora de horas);

– quando exijo ordem nas roupas, prateleiras, armários e horários, esforço-me primeiro em ser eu mesmo mais ordenado nos meus papéis, contas bancárias e cartões, prazos, livros e gavetas, roupas, etc, e na distribuição do meu tempo?

– se incentivo os filhos a serem generosos e respeitosos para com os outros, começo dando eu exemplo de generosidade com eles e com todas as pessoas que precisam do meu tempo ou da minha ajuda material ou espiritual; e, se lhes peço respeito, adianto-me antes a respeitá-los (e nunca os humilho com as minhas “broncas”, nem os ridicularizo, nem os rebaixo com comparações e censuras acachapantes); e eles, além disso, me vêem tratar com deferência todas as pessoas, de qualquer nível e condição social, sem discriminações?

– quando os incentivo a praticar a religião, a serem bons cristãos, por acaso eles contemplam em mim uma religiosidade sincera, quer porque lhes peço o que habitualmente já pratico (não só ocasionalmente e com as desculpas – que eles não engolem – de que sou um adulto ocupado e não tenho tempo); quer porque a minha religiosidade não consiste apenas numas práticas formais, mas consta de práticas vivas (oração, confissão, Missa e comunhão freqüente, leituras formativas…), das quais se nota que tiro luzes e forças para o dia a dia, e se percebe que é precisamente da minha religiosidade que nascem uma maior alegria, mais paciência, boa disposição e carinho mais delicado para com todos, ânsias de ajudar os mais carentes e desamparados?:

É muito certa a comparação que se faz no “Diretório de pastoral familiar” da Conferência Nacional dos Bispos: “Os caminhos educacionais são semelhantes às trilhas nas florestas: não bastam os sinais indicadores; é preciso um guia, que vá à frente e mostre, com a sua experiência, as passagens mais seguras, os lugares menos perigosos, as picadas mais diretas. Da mesma forma, a alegria, a paz e todos os valores de um lar têm de encontrar a sua fonte na vivência dos próprios pais”. ii

Também há lobos e mercenários

A parábola do Bom Pastor fala, por contraste, do mercenário: O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, quando vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge; e o lobo rouba e dispersa as ovelhas (Jo 10, 12).

Cristo lembra-nos que, ao lado dos bons pastores, existem os mercenários que fogem dos lobos. Seria muito penoso que os pais, orientadores e educadores encarnassem a figura covarde do mercenário que se omite, que foge de enfrentar os problemas difíceis das crianças, adolescentes e jovens e os abandonam à mercê dos lobos.

Mas mais penoso ainda seria que encarnassem a figura do lobo. E fariam isso, infelizmente, os que, chamados por Deus para guiar como pastores bons, em vez de edificar, destruíssem com os seus maus exemplos.

Podem ser chamados de lobos – por dura que pareça a expressão – os pais e educadores que, com as suas próprias mãos, isto é, com os seus maus conselhos e os seus péssimos exemplos, empurram os filhos e educandos para a desorientação, o erro, a má conduta, a confusão religiosa, espiritual e moral.

Fazem isso, sem dúvida, os que se gabam, diante dos filhos ou dos alunos, de desprezar a religião e a Igreja, e não se cansam de expelir sarcasmos contra a fé e a moral “tradicional”; os que exibem exemplos de mau comportamento pessoal, ou de falta de escrúpulos nos negócios, ou, então, péssimos exemplos da infidelidade, justificada em nome dos direitos do egoísmo (de um egoísmo mais forte que o amor conjugal e o carinho pelos filhos, um egoísmo que não hesita em provocar separações traumáticas com a única mira de buscar a “felicidade” pessoal ao preço da infelicidade da família). Esse tipo de “exemplo” diabólico tem o nome de “escândalo”.

Parecido com esse é o mal provocado por um lobo aparentemente mais manso; chame-o de raposa, se quiser. Refiro-me ao mau exemplo que muitas mães dão às filhas em matéria de moda, de compras descontroladas, de dependência viciada das telenovelas e, em geral, de futilidade e frivolidade mundana. Dirão que não é nada, que são bobagens. Também era nada, aparentemente, a “vovozinha” de Chapeuzinho vermelho, coitada, mas tinha dentes grandes e afiados, prontos para matar.

Creio que faria muito bem a essa mães “inconscientes” pegar num bom catecismo, e recordar, em relação à moda, um ponto fundamental da doutrina cristã sobre o nono mandamento da Lei de Deus: “A pureza de pensamento e de coração exige o pudor, que preserva a intimidade da pessoa. Jesus disse que o homem que olhar para uma mulher, desejando-a, já pecou com ela no seu coração. Por isso, a mulher tem o dever de cooperar com esse preceito vestindo-se com pudor e modéstia, sem pretextos de arte, moda e beleza?” iii

Tudo isso é pecado de “escândalo” (induzir os outros a pecar), e, quando de trata de gente ainda imatura, não se pode esquecer o que Cristo disse sobre esse mal: Se alguém fizer cair em pecado um destes pequenos que crêem em mim, melhor fora que lhe atassem no pescoço uma mó de moinho e o lançassem ao fundo do mar. Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai do homem que os causa! (Mat 18, 6-7). O Catecismo da Igreja Católica, ao recordar esse ensinamento de Jesus, frisa especialmente que “o escândalo é grave quando é dado por aqueles que, por natureza ou por função, devem ensinar e educar os outros” (n. 2285).

Fazer o mal por omissão

Mas, ao lado do escândalo, que transforma pais e educadores em lobos depredadores, há uma outra atitude que também causa muito dano: é a dos pais e educadores que, sem dar maus exemplos com a sua conduta nem maus conselhos, simplesmente se omitem e fogem, como o mercenário, amedrontados e sem ação, perante as dificuldades que o ambiente opõe à educação dos adolescentes e jovens nos nossos dias: quando vê chegar o lobo, abandona as ovelhas e foge.

Essas omissões e fugas, na linguagem clássica cristã, se denominam “respeitos humanos”. “Respeitos humanos” que consistem no receio, na vergonha de sermos considerados diferentes da maioria; no pavor de “chocarmos com o ambiente” e de que nos julguem atrasados, ridículos, carolas ou defasados em relação à evolução dos tempos, e insensíveis aos progressos dos costumes e da modernidade.

Comentando essa covardia, que se inibe e cede perante o erro, dizia São Josemaria Escrivá: “Assusta o mal que podemos causar, se nos deixarmos arrastar pelo medo ou pela vergonha de nos mostrarmos como cristãos na vida diária”. E acrescentava: “É verdade que nós, os filhos de Deus, não devemos servir ao Senhor para que nos vejam…, mas não nos há de importar que nos vejam, e muito menos podemos deixar de cumprir porque nos estão vendo!” iv

Não “podemos deixar de cumprir” o dever de ensinar o que é certo (indo na frente com o nosso exemplo), de alertar nitidamente – dando também nós o exemplo – sobre o que está errado (mesmo que quase todo o mundo o julgue normal), de não autorizar – com carinho, mas com firmeza – diversões, viagens em grupo, espetáculos, baladas, modos de namorar…, que são ofensas de Deus (mesmo que passemos por intransigentes obsoletos); de ensinar e exigir com carinho a disciplina de horários e tarefas, necessária para que os filhos e os alunos não caiam numa vida desregrada…

A luta não é fácil. Precisa ser travada com coragem e confiança em Deus. E com a pureza de quem age sob o olhar de Deus e não buscando a aprovação dos homens. Não nos esqueçamos de que hoje não há mais remédio que enfrentar a pressão consumista e hedonista que domina a sociedade, e que ceder a caprichos e abusos, por medo de que “os outros” critiquem ou zombem, só faz mal aos filhos, e pode destruir-lhes o caráter e a alma. O pastor não pode fugir.

Vale a pena pensar em todas estas coisas que são matéria para um bom exame de consciência, do qual teriam que sair, como fruto positivo, retificações, resoluções concretas e mudanças. Façamos esse esforço de avaliação, sim, mas não nos esqueçamos, ao mesmo tempo, de levantar o coração a Deus, de pedir com fé a sua ajuda, e de animar-nos com estas palavras de um grande e santo educador: “Com a tua conduta…, mostra às pessoas a diferença que há entre viver triste e viver alegre; entre sentir-se tímido e sentir-se audaz; entre agir com cautela, com duplicidade – com hipocrisia! – , e agir como homem simples e de uma só peça. – Numa palavra, entre ser mundano e ser filho de Deus” v.

(Adaptação de um texto do livro de F. Faus: A força do exemplo)
i São Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, Ed. Quadrante, São Paulo 1975, n. 28
ii Diretório de pastoral familiar, citado, pág. 102
iii Enrique Pèlach: Catecismo Breve, Quadrante, São Paulo 1997, n. 301 e Catecismo da Igreja Católica, nn. 2521 a 2527
iv Josemaria Escrivá, Sulco citado, nn. 36 e 368
v Sulco, n. 306

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